“Houve uma época em que professores de comunicação ensinavam que a publicidade deveria ser aspiracional. Era o tempo da família margarina, com sua vida perfeita, pais e filhos sempre sorridentes e ausência de qualquer sinal de conflito.

Apesar de os verbos no parágrafo anterior estarem no passado, essa ainda é a realidade de parte da comunicação produzida no Brasil. Nem todos os clientes e agências já sacaram que estamos num período de mudanças e que o aspiracional já era. A palavra do momento é representatividade.

Os consumidores querem se ver retratados nas peças de comunicação. É assim que se desperta identificação, empatia e, vá lá, em última análise, também interesse de compra.

A publicidade brasileira viveu um longo período de fantasia em que só mulheres loiras ou jovens atléticos tinham espaço nas campanhas. Nada mais equivocado num país de maioria negra (54% da população), com um ativismo LGBT forte e questionador do conceito “tradicional” de família e repleto de pessoas com deficiências.

As mudanças demográficas, a maior longevidade da população e o aumento do poder de consumo de algumas pessoas na década passada também colaboraram para essas transformações na comunicação – irreversíveis, mesmo em tempos de crise.

Costumo dizer que diversidade é um dos assuntos da moda, pois hoje se fala dele em todo canto, mas não é nenhum modismo. Ou seja, a conversa veio pra ficar.

Estamos experimentando agora algo parecido com o que houve com o boom da Responsabilidade Social no fim dos anos 1990: um tema novo surgiu, chamou a atenção do mercado e, com o tempo, acomodou-se, caindo na (boa) normalidade e rotina das marcas e empresas.

No Brasil, mulheres são responsáveis por 85% das decisões de compra. Entretanto, 65% delas não se enxergam representadas na publicidade. Elas dizem que querem se ver, sobretudo, mais independentes e inteligentes nas campanhas dos anunciantes.

A população negra brasileira, por sua vez, movimenta mais de R$1,5 trilhão na economia anualmente. Quantas mulheres negras são protagonistas de comerciais? O número não passa de 1%.

O recado que fica é simples: se a sua marca quer se relacionar com mais pessoas, é urgente que a sua comunicação desista do aspiracional e assuma a bandeira da representatividade.

Se a sua empresa quer (e qual não quer?) antecipar demandas, vender e entender a maior quantidade possível de consumidores, é preciso que seu grupo de funcionários (e também o da sua agência de publicidade ou RP!) seja representativo da população com quem você quer falar.

Sem diversidade, no ambiente de trabalho e na comunicação, estamos fadados a continuar conversando com a mesma bolha. É como vestir um calçado que pode até parecer seguro, mas tem se revelado cada vez mais apertado.”

Ricardo Sales é consultor de diversidade e comunicação e pesquisador na ECA/USP. Especialista nos temas gênero, sexualidade e trabalho, é também professor e palestrante. Assina o blog Mais Diversidade, hospedado no site da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial: http://www.aberje.com.br/blogs/mais-diversidade/

Author

Vitor Borges

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